sexta-feira, 24 de abril de 2009

Abrigo

Fui dormir tarde essa noite. Não conte à minha mãe que andei triste. Andei pela casa e apaguei as luzes. Fui até a janela do meu quarto e olhei os prédios lá fora. O silêncio me permitia ouvir o barulho do vento, eu conseguia enxergar milhares de luzes. Uma nuvem passava rapidamente pelo céu, fugindo da noite escura. O mundo às minhas costas simplesmente desabou. Restavam apenas eu, seguro no alto daquele apartamento, e o mundo à minha frente, caindo aos pedaços.

Não haviam portas, só um par de janelas. Afastei-me um passo delas e percebi a distância que me separava da vida. Olhos atentos transitavam pela noite nua. Me senti solitário envolto pela escuridão, como se a cada rua desbravasse um novo universo. Meus olhos dissecavam os detalhes da névoa bem desenhada pela luz. Eu via além. Podia sentir o odor da umidade que recobria as ruas imundas. Milhares de pessoas transitavam pelas calçadas. Sem rumo, sem tempo e sem espaço. Ali sua vida se resumia a um passo de cada vez. Milhares de vidas, milhares de passos. O movimento era fluido, deixava resquícios da vida flutuando ao ar. Podia ver a respiração pesada, tocar resquícios de sombras. Eu ouvia corações acelerados. Mas não ouvia o meu próprio. Não consegui encontrar minha sombra, nem sentir minha respiração. A vida não havia penetrado aquelas quatro paredes. De fato, jogava-se contra a minha janela, desesperada. Estendi minha mão e toquei o vidro. Podia sentir o desespero das almas perdidas além daquele quarto.

O ar tornou-se denso, senti as paredes mais próximas de mim. Estava preso em um pequeno cubículo com uma janela à minha frente. Permiti que uma lágrima escapasse. Tomei alguns segundos antes de enxugá-la. Senti-me sozinho no universo, preso dentro daquelas paredes que planavam sobre um mundo decadente. Podia ver os prédios desmoronando lentamente, como uma reação em cadeia. Um a um. Sentei-me contra a parede, estiquei minhas pernas e apenas observei a escuridão engolir vagarosamente as luzes além daquela janela. Tenho andado meio cansado, sem tempo para respirar, com o coração partido. Milhares de vezes. Não conte à minha mãe que tenho andado triste. Ela vai ficar preocupada.

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