terça-feira, 22 de setembro de 2009

Acordar

Acorda-me pela manhã, pois me perco em teus braços findada a noite. Vazia, a cama parece-me imensa e solitária, somente para me dar a certeza de que, por mais um dia, te perdi por entre meu encanto. Afundo no lençol, mortalha da dor e do desespero, bálsamo da ilusão que oblitera-se ao nascer do sol. Da noite, somente teu perfume delirante suspenso no ar e no tempo, resguardado nos poros do fino tecido. Foge-me a miragem quando procuro em vão através dessa imensidão. O amanhã levou-me segundos preciosos e eu os quero de volta.

Todo dia deveria ser noite eterna. Do choque entre os corpos à perda da alma, teu beijo nada desperta em mim. Do contrário, faz-me esquecer a aposta do amanhã, delindo meus sentidos, desperta a mim. No descolar de nossos lábios, encontro-me um segundo mais velho e um instante mais próximo da morte. Deixo em ti minha juventude; aporto-te agora, portanto, a minha vontade de viver. Contigo, não sou outro que não tu — seguro teu espelho. E por um instante a mais é tudo que rezo durante o dia infindável, na esperança calorosa de perder-me de mim para encontrar-te à noite escura.

Encontro marcado com a morte que tanto procuro. Encontro às cegas. Joga-me de volta ao absurdo do real e livra-me da miséria de meus sentimentos incompletos. O saguão, vazio, já não comporta móveis. Observo a queda veloz da chuva atravessada a vidraça, dividido entre o conforto da solidão e a fúria da tempestade. Talvez, nesse ponto, eu seja apenas a vidraça, inerte, em lugar algum, sem poder tomar qualquer posição que não a insignificância: olham não para mim, mas através de mim. Simultaneamente, sito no centro do conflito; solidão inexorável encharcada pela fúria das águas.

Não há presente algum. Meu tempo esgota-se em todos intervalos permeados pelo desejo de tua presença. Futuro infinito. Não há, contudo, qualquer redenção ou qualquer esperança. Encontro-me perdido no fluxo, a fluir neste amor vagabundo. Quando o próprio amor não cessa a caminhar, que me resta senão acompanhá-lo? Vou atrás — já nem sei de que, de minha consciência ignara, talvez.

Acorda-me durante a noite com a tua ausência sempiterna; o beijo que me falta, o toque que deixa desejar e o olhar que reflete o vazio... do espaço, do tempo e do espírito. Assim, torna-me completo: tua ausência reveste-se com o irrecusável desafio a querer-te em demasiado. E a possuir-te no segundo presente, com medo de perder-te no futuro acidental. Pára, deixa no ar. Meus sentimentos repousam sobre a noite, não os desnuda. Em vida, afasta-te de mim, teus lábios moventes já não deslizam em consonância com os meus, mas para longe deles, sorvendo minha aura no cindir de nossos seres para além meu sonho. Acordei, sem ti.

Acorda-me então, pois sem ti já não o quero mais.