domingo, 26 de abril de 2009

Portas fechadas, olhos abertos

Ela abre uma porta, deixa escapar um novo mundo. Invade as ruas, percorre o romantismo urbano com a alma. Entrega-se, apaixonada, ao ininterrupto movimento, o movimento das pessoas, dos carros, do vento, do tempo. Percebe a mágica e o mistério que pairam sobre o ar da cidade.

Lê o pensamento das pessoas, desvenda vidas, faz apostas. Mas sua própria alma lhe é ilegível. Torna-se viva, mas particularmente dependente para uma garota. Dobrando ruas, mudando rumos, fugindo de um destino certo, abrindo os olhos, fechando as portas. Passando a chave, secando as lágrimas. Há muitos caminhos lá fora, mas pouca vida.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Abrigo

Fui dormir tarde essa noite. Não conte à minha mãe que andei triste. Andei pela casa e apaguei as luzes. Fui até a janela do meu quarto e olhei os prédios lá fora. O silêncio me permitia ouvir o barulho do vento, eu conseguia enxergar milhares de luzes. Uma nuvem passava rapidamente pelo céu, fugindo da noite escura. O mundo às minhas costas simplesmente desabou. Restavam apenas eu, seguro no alto daquele apartamento, e o mundo à minha frente, caindo aos pedaços.

Não haviam portas, só um par de janelas. Afastei-me um passo delas e percebi a distância que me separava da vida. Olhos atentos transitavam pela noite nua. Me senti solitário envolto pela escuridão, como se a cada rua desbravasse um novo universo. Meus olhos dissecavam os detalhes da névoa bem desenhada pela luz. Eu via além. Podia sentir o odor da umidade que recobria as ruas imundas. Milhares de pessoas transitavam pelas calçadas. Sem rumo, sem tempo e sem espaço. Ali sua vida se resumia a um passo de cada vez. Milhares de vidas, milhares de passos. O movimento era fluido, deixava resquícios da vida flutuando ao ar. Podia ver a respiração pesada, tocar resquícios de sombras. Eu ouvia corações acelerados. Mas não ouvia o meu próprio. Não consegui encontrar minha sombra, nem sentir minha respiração. A vida não havia penetrado aquelas quatro paredes. De fato, jogava-se contra a minha janela, desesperada. Estendi minha mão e toquei o vidro. Podia sentir o desespero das almas perdidas além daquele quarto.

O ar tornou-se denso, senti as paredes mais próximas de mim. Estava preso em um pequeno cubículo com uma janela à minha frente. Permiti que uma lágrima escapasse. Tomei alguns segundos antes de enxugá-la. Senti-me sozinho no universo, preso dentro daquelas paredes que planavam sobre um mundo decadente. Podia ver os prédios desmoronando lentamente, como uma reação em cadeia. Um a um. Sentei-me contra a parede, estiquei minhas pernas e apenas observei a escuridão engolir vagarosamente as luzes além daquela janela. Tenho andado meio cansado, sem tempo para respirar, com o coração partido. Milhares de vezes. Não conte à minha mãe que tenho andado triste. Ela vai ficar preocupada.

domingo, 12 de abril de 2009

12 de Abril de 2009

São meia noite e trinta minutos. Acordei de repente. Há luz no corredor, eu consigo ver por baixo da porta. A televisão está ligada na sala, há risos e vozes. Vou voltar a dormir.

São duas horas e quarenta e três minutos. Acordei de repente. Não há mais luz no corredor. Também não há nenhum barulho na casa. Há música, vozes e risos lá fora. Vozes femininas cantam em coro "Ah! Que isso, elas estão descontroladas". Vai ter cú no final da noite. Vou voltar a dormir.

São três horas e trinta e dois minutos. Uma eternidade já se passou. Parou a música lá fora, mas as vozes continuam. Vozes masculinas, no entanto. Risos e barulho de garrafas quebradas. Onde há festa, há bebida. Onde há bebida, há muita gente estúpida. É tudo que eu consigo pensar no fim da noite.

São quatro horas e vinte minutos. Parece que não durmo há dois dias. Tem alguém tocando violão lá fora. Há música, vozes e risos. Os meus olhos já se adaptaram à escuridão. Até isso me incomoda. Fico pensando se eu conseguiria dormir se eu fosse dar uma mijada. Penso nos meus últimos dias, na minha solidão. Penso nos dias que estão por vir. Estou enlouquecendo, vou tentar domir.

São quatro horas e quarenta minutos. Esse sofá parece ser de pedra. Ainda estão tocando violão lá fora. Não consegui identificar nenhuma das músicas que eles tocaram. O fato é que parece que tem alguém estuprando um violão e várias pessoas gritando em coro na volta. Me faz lembrar do motivo pelo qual odeio rodas de violão. Me faz lembrar das rodas de violão em que estive e do quão estúpido eu era. Foram momentos felizes. Vou mijar e dormir.

São cinco horas e quarenta minutos. Recém percebi que hoje é Páscoa. Deu até tempo de me sentir triste antes de cair no sono.